quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Arvoredos - Relato de um quase náufrago

Estava na minha terceira Regata dos Arvoredos. Nenhuma das anteriores (que estava em solitário) havia conseguido completar por exceder o tempo limite, mas desta vez tentaríamos fazer melhor (estava acompanhado do Renato). 
Começamos com o pé esquerdo; optamos por largar próximo à boia com balão, diferente de todos os demais competidores e o resultado foi o esperado: saímos muito atrás do último da fila! A desculpa seria: "não tinha como ver as bandeiras nem tínhamos certeza da contagem regressiva" - principiantes!. Estive por desistir várias vezes por falta de vento mas, de repente, dava uma brisa e ultrapassávamos alguém. 
A cada meia hora desistia alguém. Na Ilha da Moela ultrapassamos o Kalil e o Kiko e nos deu mais ânimo. Aquele balanço com pouco vento já me deixou mareado. Na Ilha de Cabras, que nunca chegava, meu arquirrival Kiko perguntou por rádio de iríamos desistir. Brincando respondemos que ele teria que desistir primeiro, pois estava atrás. Como não o fez (droga!!!) tivemos que continuar. Por fim avistamos Arvoredos. Bom, daí o Renato disse: "agora vamos até o fim". 
Eu não parava de falar "antes muito vento do que pouco vento" e por fim ouvimos os avisos de ventos fortes N/NO. Depois vim a saber que o tal vento teria sido um castigo de Deus pois todos os velejadores o estariam pentelhando. 
Lógico que naquele marasmos não rizaríamos as velas e quando chegou, o vento veio de través nos impulsionando a alucinados 9-10 nós para contornarmos a Ilha dos Arvoredos. Mantivemos certa distância da ilha por termos atravessado 2 vezes (o que talvez tenha sido favorecido por rizarmos apenas a genoa). O plano era passar por Arvoredos e contorná-la com uma orça aberta e retornar do mesmo modo. À frente estava um barco cujas cruzetas encostaram no mar (caracas!). 
Contudo, o vento rondou para nossa popa, acho que NO, quando soubemos que aquela orça pretendida seria impossível. O pequeno Grandpa ficou incontrolável e nos direcionou num través surfador em direção a Arvoredos. Tivemos que desistir. O motor demorou um pouco para pegar enquanto estávamos em rota de colisão. Não sabia se tinha pego ou não pois não conseguia distinguir seu barulho do vento e ondas. Finalmente deu certo e não chegamos a nos borrar. Tivemos que dar muita força ao motor para ter domínio no contravento e o Renato arriou a mestra no sufoco, sem cinto nem colete (outra falha nossa). 
Nos dirigimos com um barco azul (acho que o Super Bakanna), que estava com dificuldade em arriar a genoa que estava enroscada no estai, para atrás de um morro próximo ao Mar Virado. Lá perto tem uma prainha que teria encalhado um catamarã se o tivesse. Ficamos rodando por ali. 
Informamos à CR nossa posição. Entrei na cabine para contato telefônico e descobri que o touch screen não funciona se o touch estiver molhado, mas falei com o Mauricio Cassilhas e minha esposa Andrea, afinal eu iria me atrasar a um compromisso e se eu não morresse alí, certamente ela me mataria. Depois ela me contou que chegou a pensar que "pelo menos morreu fazendo o que gostava" - caracas, se for para morrer não gosto mais kkkkk. Ela que é uma pessoa que não vê nada como obstáculo insuperável, conseguiu contato com vários velejadores que eu nem conheço, Marinha, CIR e sei lá mais quem (não sei como em tão pouco tempo consegue fazer tantas conexões - mulher fantástica esta minha! 
Mas voltemos aos quase náufragos... O tal telefone ficou sem bateria e o meu segundo, de teclas para olhos de águia, ficaram invisíveis para mim sem óculos. Esta entrada na cabine não me fez nada bem agravando meu mal estar e acabei chamando o ugo. 
Pelo rádio ouvíamos: Crispin sem motor e rádio, Santeria sem motor e vela, Gitano com problemas, Depois viemos a saber: Meu Cantinho com mastro quebrado, Candão sem combustível... 
Após algum minutos de deliberação chegamos às seguintes opções: Bertioga dava para ir só de genoa surfando e chegaríamos rapidinho (o cartão do GPS deixou de funcionar e não tinha certeza das distâncias); jogar âncora por alí mesmo ou retornar quando o vento melhorasse um pouco. Ficamos com esta última opção, o tanque de combustível estava cheio e conseguíamos nos deslocar com segurança. 
Só tínhamos uma roupa de frio que ficou com o Renato (por ser mais idoso kkk, na realidade fico melhor no frio se estou mareado), mas passei a bater o queixo numa tremedeira desenfreada (de FRIO não de medo, afinal o pior já tinha passado kkk). 
O Renato tocou o barco e me escondi num canto e até dormi um pouco e fiquei bom de novo. Na Moela encontramos um herói que estava voltando na entrada do canal: o Jazz 4 puxando o Candão. Depois eu vim a saber que o capitão do Candão ficou enrolado nas velas na cabine, quentinho, enquanto os demais marujos estavam no frio ou vomitando (esse Kiko é uma figura !!KKK). 
A entrada na baia estava linda e nada denunciava o ocorrido a não ser quando chegássemos ao CIR e nos deparássemos com os estragos em alguns barcos. 
Uma lancha grande passou por perto com um holofote em busca dos perdidos e incomunicáveis pelo rádio - deveriam estar furiosos por não respondermos aos chamados - prometeram me "dar um rádio", vou cobrar! 
No CIR falei até com um tenente da Marinha que estava em nosso encalço acionado pela patroa. Ao chegar em casa não fui morto, ufa, mas fiquei frustado por saber que a aventura do meu filho Pedro Alves tinha sido mais empolgante que a minha, pois segundo ele " o vento estava muito mais forte canalizado entre as duas torres onde moramos e mal dava para ficar de pé...jogando sacos plásticos para cima que se prenderiam numa rede ... muito mais legal" kkk. 
Muito obrigado a todos que se preocuparam conosco !!!

Veleiro Grandpa